quarta-feira, 27 de abril de 2011



"Um dia Comum"                                                         

Hoje abro minha janela do quarto, o sol lindo, forte, imponente e com raios luminosos, o dia amanheceu assim...Um lindo amanhecer, cheio de vida e cores. Dei um sorriso e agradeci a natureza pelo espetáculo que me proporciona.
Fui para a cozinha, tomei meu primeiro copo de água gelada, preparei meu cafezinho, vim arrastando meus chinelos com muita preguiça, copo na mão, saboreando aos pequenos goles daquele que tanto gosto, bem devagar.
Abri as cortinas da sala de estar, corri as folhas da janela para esquerda e para direita, debrucei e fiquei observando o movimento das pessoas.
Algumas já acostumadas com minha rotina, erguem o olhar  e me deixam um bom dia, outras deixam um sorriso, tem aquelas que andam olhando ao chão e nem percebem nada em volta e aquelas que já passam conversando sozinhas ou com elas mesmas. Sei lá... Essa nossa vida é tão louca e turbulenta.
Vou ao banheiro e tiro meu pijama de ursinhos. Ele está velho e surrado, mas é bem gostoso de dormir com ele. Tem um tecido amaciado pelo tempo de uso. Entro no boxe e tomo meu banho matinal.
Fico por uns instantes quieta, deixo a água quente escorrer pelo corpo levando o suor da madrugada, os meus sonhos e todos os desejos que tive nas viagens noite adentro.
Abro um pouco mais o registro, deixo a água bem morna e transparente cair sobre os cabelos, tomo o banho vagarosamente, esse é o melhor tempo de relaxamento, desligo e me enrolo na toalha felpuda e vermelha, a  preferida por ser macia e grande.
Me olho no espelho, arrumo meus cabelos, pego um pedaço de algodão molho com uma loção refrescante,  limpo meu rosto e em seguida passo  creme.
Dou um suspiro e penso: Ah! Mais um dia comum...
Entro em meu quarto, escolho uma roupa bem a vontade, uma bermuda e camiseta, deixo a cama arrumadinha, acordo meu filho para o café, logo as ligações para encomendas começarão a chegar, nem dá tempo para mais um momento de preguiça.
O telefone começa a tocar e eu já vou nas minhas anotações, olhares nos armários para ver se tenho tudo que preciso em casa, vou para cozinha.
Quase um ritual sem grandes modificações no dia a dia, tomo mais um cafezinho, fumo tranquilamente meu cigarro, sei bem que não terei mais este tempo, nem para apreciar o infinito olhando pela janela da cozinha debruçada na pia.
Mas antes de separar os legumes e folhas para lavar, resolvo dar uma olhada básica no e-mail. Estranho pois nunca faço isso as nove horas da manhã.
Queria ler e responder um bom dia aos meus amigos reais e virtuais. Isso é muito gostoso quando vejo atualizações dos blogs.
Liguei o computador, logo entrou a página principal de notícias, comecei a ler, parei, fiquei sem fala, sem ação...estava atordoada com o que estava lendo: "Um jovem entrou em uma escola no Rio de Janeiro atirando em crianças e adolescentes!!!" 
O que leva um ser humano a cometer um ato assim, como chegamos a esse ponto? A solidão, a falta de carinho os pensamentos sombrios?
Nada saberemos de concreto e verdadeiro, nada justificaria o seu ato, ele levou consigo todas respostas verdadeiras, lamentei por este ser humano.
Chorei, chorei muito. Eram apenas crianças...somente crianças!!!. O que elas tinham a ver com qualquer que seja o problema daquele rapaz?
Meu dia se tornou escuro, sem motivação, frio e triste. Quanto mais eu pensava, menos entendia e mais chorava. 
Tenho muita fé, mas juro que nesse momento, perguntei: Deus, porque permitiu isso? Claro que nem deveria ter questionado, quem sou eu. Mas aquele foi meu primeiro impulso.
Tudo saiu da rotina, nada mais estava em seu lugar, eu não me achava e não consegui fazer render todo o meu trabalho naquele  dia.
Meu filho sentiu o quanto fiquei abatida. Nosso almoço que é sempre com conversas, ficou mudo. O nosso silêncio tomou conta da casa.
O que nos restou foi apenas o sentimento de tristeza por todas crianças que se foram e pelos seus familiares, principalmente pelas mães. 
Então em um momento mais lúcido pedi perdão a Deus por meu impulso da pergunta. Pedi a ele que desse conforto aos familiares e abrandasse o coração daquelas mães.  
Simplesmente do nada e sem planejamento algum, a minha quinta-feira passou a ser um dia totalmente "Incomum."

07/04/2011 Má Ibrahim

quinta-feira, 21 de abril de 2011

"Momento Único"
Tantas idas e vindas, você sempre sorridente retornava e a cada retorno mais corajosa, com mais sede de vida. Um ser humano que se tornou especial, dotada de palavras sábias, mesmo com a tempestade que sua vida foi, aprendeu muito, se superou. Quantos erros cometeu, quanto carinho rejeitou e deixou de dar, é a vida lhe maltratou a ponto de não ter sensibilidade. As vezes me perguntava: Porque ela teve filhos? Te imaginava como uma rocha, tinha uma armadura impossível de ser rompida, não via sentimentos em seu olhar, só mágoas, tristezas e frustrações de ter feito um péssimo casamento, de ter perdido sua juventude, aos 17 anos ter um filho especial, logo após mais três, um a cada ano. Que rotina dolorosa, mas eu na época muito pequena para entender tudo isso. A cada sofrimento e decepção, sabíamos que passaríamos também, sempre alguma coisa sobrava para nós. Me tornei uma mulher forte e determinada, dura e radical, assim ela me ensinou a ser, comecei a entender muitas coisas que passou, a desilusão, o sofrimento constante, as humilhações para criar seus filhos. Mesmo assim não entendia a mulher submissa que era, eu a cobrava muito. Ela só me olhava com aquele olhar frio e respondia: Um dia você entenderá. Passou os anos, aquele que lhe deixava marcas na pele e no rosto se foi, deixando no fundo um alívio. Ali se encerrava um ciclo e ela poderia começar outro, mais tranquila, já estávamos todos casados e cuidando da vida. Que destino esse, não aproveitou tanto essa liberdade e tranquilidade. A surpresa veio e a tristeza junto, em 1991 ela enfartou, não teve como escapar de uma cirurgia, o coração já não mais suportava, algumas pontes safena resolveria o problema segundo o médico. Antes da cirurgia, ela em desespero pediu a Deus que não lhe tirasse a vida, ela o serviria sempre, mas queria ver o ultimo neto nascer, o meu filho. Foi um susto, ficou na UTI alguns dias, o meu desespero foi grande eu estava grávida de 3 meses, mas eu tinha que ser forte, eu era sua única filha, dois filhos já tinham partido, restou somente mais um filho, quantas perdas ela teve, quanto era forte essa mulher. Assim transcorreu os dias, ela voltou para casa, mas a cirurgia não foi tão bem sucedida, ela sempre tinha problemas, as doenças foram se agravando, ela a rocha que eu conhecia, não se deixava abater, se tornou uma mulher dócil, meiga, carinhosa, tudo que não tivemos os netos tiveram em dobro. Sempre servindo a Deus e ajudando a todos e aos dois filhos que restaram eu e meu irmão. A previsão que meu filho nasceria em outubro, ela entusiasmada comprava tudo que achava para o enxoval, curtiu muito essa minha gravidez, chegamos em setembro, eu já no oitavo mês, ela foi internada as pressas, quase fiquei louca, sem notícias, sem saber onde ela estava, até que onde ela trabalhava informaram que uma ambulância a levou para um determinado hospital. Na época não tínhamos carro, não consegui falar com meu marido, peguei minha bolsa e fui, com uma enorme barriga, fiquei horas naquele hospital. Não tinha respostas, fui informada que não poderia vê-la, somente no outro dia na visita as 15:00 horas, eram 21:00 horas, não tive escolha, meus sentimentos e choro gritaram, sentei no corredor do hospital e comecei a chorar, soluçava alto, e avisei que só sairia daquele chão se visse minha mãe. Depois de um tempo o médico de plantão chegou perto e disse: Venha, verá somente uns minutos, ela esta com aparelhos e na UTI, me ajudou a levantar, me conduziu até o lugar que ela estava, cheguei perto, aqueles tubos, aparelhos, peguei na mão dela e disse com a voz rouca e áspera de tanto chorar: Mãe, pode ficar boa, não quero nem saber, meu filho vai nascer o mês que vem e eu preciso de você!!!! Quando lembro me emociono, simplesmente o monitor que marcava os batimentos cardíacos se elevou, a enfermeira entrou e disse, ela ficará bem, está reagindo, tenha calma. Agora ela precisa descansar. Peguei um táxi e fui para casa, todos estavam loucos me procurando. Chorei muito aquela noite, pedi a Deus compaixão, ela já havia perdido tanto na vida, que ele lhe desse o prazer de conhecer o último neto, já que os meus sobrinhos ela conhecia. Dez dias se passaram, eu a visitava, quase todo dia, saiu do hospital praticamente na semana de meu filho nascer e veio para minha casa, abatida, magra, mas sorrindo. No sábado 05, de Outubro de 1991, as 11.54 minutos meu filho nasceu, foi tudo mágico, afinal eu planejei por dez anos esse filho. Fui para o quarto, meu marido entrou e disse: Tenho uma surpresa para você! Olhei para porta, ela estava entrando devagar sorridente com o neto no colo. Jamais em minha vida vou ter uma emoção como esta, eu sabia que ela ainda não estava bem, mas estava ali, sorriu e complementou: Fica boa logo, para você e meu neto cuidar de mim, acabamos rindo. Mãe, você se tornou uma mulher nobre de sentimentos e atitudes, o pavor da morte lhe deu mais vida. Como você mudou!!! Vivia para nós e para os netos, chegávamos a brigar para você viver um pouco sua vida. Hoje, fecho meus olhos e lembro quando te levei a primeira vez ao shopping, entravamos em lojas e você com seus olhos curiosos observava quando eu lhe explicava que essa roupa ficava bem com aquela, eu falava: Não misture flores com listrado, por favor! Depois saiamos para tomar café expresso com chantilly e apreciar as pessoas passarem com pressa, falando sozinhas, rindo, era muito divertido. Quando te ensinei que comer em restaurantes, lanchonetes era muito bom, você uma vez por semana se encontrava comigo na porta do meu serviço e almoçávamos juntas, meus amigos de trabalho te conheciam e te admiravam. Você aprendeu rápido, se tornou uma senhora, arrumadinha, combinava tudo, até os sapatos, me ligava para pedir minha opinião, como nos tornamos amigas e cúmplices. E assim os anos passaram, você viajou para lugares que eu jamais pensei ir, até para o Japão você foi passar 3 meses com meu irmão e cunhada. Experimentou coisas que nunca te passou na cabeça experimentar, juntas fazíamos do pouco o muito, meu filho foi presenteado por esta fase, eu no trabalho e eles dois no cinema, passeando, quando ela descobriu que podia ir sozinha e já tinha aprendido tudo, pegava meu filho e sumia. Um dia ela me disse: Sossega menina, você não tem mais vinte anos!! Dei risada e dei o ombro, tipo..to nem ai mãe, vamos viver só isso. Muitas vezes eu a deixei constrangida, entravamos no ônibus ou no metrô, eu pedia o lugar para ela, ficava brava, não gostava. Dizia: Não arrume confusão! Na hora eu respondia: Pode sentar sim, faça jus a quem tem direito. Para ela aquilo era o fim do mundo. Chegamos em 2009, ela não estava bem, passou Abril, seu aniversário internada fazendo exames, eu a visitava todos os dias no Ibirapuera, combinamos que comemoraríamos o aniversário de 70 anos junto com o dia das mães, ela disse que não precisava, mas como sempre briguei, vamos sim, nem adianta não querer. Comemoramos com uma feijoada feita por ela e com minha ajuda, jamais comerei outra igual, suas mãos eram de ouro na cozinha, cantamos parabéns, todos reunidos. Tudo estava bem, mas no início de Junho ela passou muito mal, foi internada em um hospital perto da casa de meu irmão, emergência, uma briga terrível para transferi-la para o hospital do Ibirapuera seu hotel cinco estrelas como costumava chamar, afinal lá ela tinha todo prontuário, os médicos que a acompanhavam. Conseguimos, mas eu tinha certeza que ela não mais voltaria. Todos os dias na visita, mais certeza eu tinha, fizemos um revezamento entre tias, primos, ela não ficou um dia sem visitas. Eu estava muito abatida e cansada, havia perdido meu emprego, me envolvi junto com uma amiga a realizar um bazar solidário para arrecadar fundos, construção de um novo dormitório no lar de crianças especiais. Naquela semana, chovia muito, minha amiga me acompanhou na visita, achou que ela estava melhorando, mesmo assim meu silêncio era completo e minhas lágrimas não cansavam de escorrer em meu rosto. Nos dias 13 e 14 de Julho, tiramos para lembrar de coisas especiais. De repente ela me disse: Filha, obrigada por tudo, pelos bons momentos, pelos nossos almoços, por me deixar conhecer seus amigos, pelo café expresso que aprendi a gostar. Saiba que foram momentos maravilhosos que passei com você. Sabe filha, quando as pessoas na igreja falavam que eu estava sempre arrumadinha, combinando tudo, eu respondia com orgulho: Minha filha que me ensinou. Nesse momento eu já estava desabando, não segurei as famosas lágrimas. Agradeceu de te-la levado a primeira churrascaria da sua vida, te-la ensinado primeiro pegar a entrada, e comer aquilo que gostava e que não tinha todos os dias, ela deu risada quando lembrou da minha frase: Mãe, pega somente o que gosta e que não se tem na mesa todos os dias, o comum você já come em casa. Foi uma mistura de risos e lágrimas. Então ela segurou minha mão e disse: Os pais ensinam os filhos, jamais pensei em aprender tantas coisas com você e seu irmão , não imaginei que teria uma velhice assim, com tanto carinho, tantos passeios, tão tranquila e feliz com meus filhos. Você e seu irmão me deram muitas alegrias e cuidaram mais de mim do que eu de vocês quando crianças. Ela agradeceu por um momento os filhos que ele lhes deu. Então nesse momento a enfermeira entrou, iria leva-la ao banho, ela jamais aceitou, sempre se virava. Neste momento ela olhou para a enfermeira e perguntou se ela podia lhe dar banho ali mesma na cama. Meu coração sangrou, era o fim mesmo, ela estava indo, fui para o corredor e chorei, chorei muito, na quinta feira a tarde ela já estava na UTI, intubada, com os batimentos cardíacos bem baixo, foi liberado para que eu e meu irmão ficasse um pouco com ela, disse que lhe amava muito que ela fosse em paz, eu sei que ela me escutou, meu irmão fez a mesma coisa.....a noite ela se foi...Preparamos tudo como ela queria, cada detalhe, seria nosso último presente. Eu sabia que ela não voltaria, aquele foi nosso momento único, totalmente nosso. Como o ciclo da vida é mágico, hoje nasceu o neto da minha querida amiga e que minha mãe muito gostava, seja bem vindo Rafael. Mãe, hoje você completaria 72 anos, mas somente agora consegui colocar tudo isso em um papel, mesmo em lágrimas eu lhe dou os Parabéns... 


Má Ibrahim 13/04/2011